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domingo, 14 de junho de 2009

Dica de Livro: O Cordeiro

Um livro de 550 páginas. Tenho certeza que muita gente se assustou depois de ler isso. Alguns achariam melhor colocar como calço de mesa ou peso de papel ao invés de ler. Estariam perdendo uma jornada literária bastante instrutiva e, principalmente, engraçadíssima.

Escrito por Christopher Moore e editado por aqui pela Bertrand Brasil em 2008, O Cordeiro é um livro em que a capa revela, mas ao mesmo tempo engana quem só se dá ao luxo de uma primeira vista.

Mas não se deve julgar um livro pela capa, claro, e eu, depois de alguns meses só observando tive a certeza de adquiri-lo depois de ler a dica do blog Rapadura Açucarada que contava um pouco da história do livro.

O livro tem o subtítulo O Evangelho segundo Biff, o brother da infância de Cristo e conta a história de Jesus pelo ponto de vista de Levi, vulgo Biff, que conheceu Jesus aos 6 anos de idade e seguiu como seu amigo e protetor por toda a sua vida.

Um detalhe importante é o fato de Jesus ser chamado no livro de Josué, um nome mais próximo do hebraico, mas que também revela a sagacidade do autor ao nos distanciar um pouco da figura religiosa, o que facilita a absorção de várias das piadas.

Esclareço desde já que não são piadas de mau gosto. Josué mesmo é um cara bem legal, sincero, sensível, responsável e consciente de seu papel no mundo, apesar de não ter muita idéia de como realizá-lo. Biff é que faz as piadas.

O livro começa quando o anjo Raziel recebe as ordens de ressuscitar Levi, amigo de infância e seguidor de Josué, para que este escreva um novo evangelho para o aniversário de 2000 anos do Filho de Deus.

Logo depois de ressuscitar, Biff pergunta ao anjo há quanto tempo o Reino já chegou. Raziel informa que já tem dois mil anos e Levi simplesmente xinga, dá um soco na boca do anjo e diz “Você está atrasado!”.

E essa hilária cena curta na quarta página esclarece tudo o que precisamos saber sobre a personalidade de Biff e estabelece o tom do resto do livro.

O primeiro encontro com o messias se dá aos 6 anos, no poço central de Nazaré, onde as mães pegam água pra lavar as roupas. Os dois tem a mesma idade.

Josué olha sorridentemente para Biff e coloca um lagarto morto na boca. Biff aponta para ele e grita para sua mãe. A mãe não dá ouvidos, Josué retira o lagarto vivo da boca e o devolve a seu irmão mais novo. Biff fica surpreso quando então o irmão de Josué esmaga a cabeça do lagarto e Josué ressuscita o bichinho colocando ele na boca novamente. “Quero fazer isso”, diz Biff ao se aproximar de Josué. “Qual parte?”, responde Josué selando para sempre sua amizade.

São cenas como essa acima que fazem o apelo do livro. Coisas que não estão escritas em nenhum lugar, mas que poderiam muito bem ter acontecido.

Uma espécie de bastidores do Novo Testamento.

O livro revela uma extensa pesquisa feita pelo autor sobre os costumes de povos judaicos do século I, para contar com detalhes essa parte da história.

Ele também aproveita vários ganchos e cria piadas muito legais, várias delas centradas em Biff, como o seu relacionamento com a mãe de Josué, Maria, que seria o primeiro amor de sua vida e uma das duas únicas mulheres que ele pensou em casar na vida. É claro que ninguém na família de Josué o levava a sério, e isso gera algumas risadas pra nós e várias bifas em Biff (daí o apelido) durante todo o livro.

A outra mulher que Biff havia pensado em se casar era Maria Madalena, ou Madá, como ele a chamava. Eles se conheceram ainda crianças em Nazaré. O problema é que Madá era apaixonada por Josué, que apesar de amá-la, nunca conseguiu pensar nela como esposa já que tinha preocupações mais importantes, tal como: “Como faço pra ser o Messias?”, em sua mente. E Biff se aproveita disso e na primeira cena de sexo do livro (sim, o livro tem algumas cenas de sexo, todas com Biff) ele perde a virgindade com ela.

Um fato interessante revelado pelo autor no pósfacio é que Maria Madalena não é definida como prostituta em nenhum dos trechos da bíblia. O que acontece é que a palavra para adultério era comumente confundida com prostituição nas línguas antigas em que o texto foi escrito.

A segunda, terceira e quarta partes do livro tratam da busca de Josué pelo seu aprendizado messiânico.

Ele decide ir procurar os três reis magos para iniciar seu aprendizado e Biff vai a tiracolo para ajudá-lo. Eles deixam Nazaré com 14 anos (já eram homens para a época) e partem em direção ao oriente.

Josué aprende sobre Lao-tsé, feng shui, o chi (a energia interior de todos nós), meditação, a iluminação budista, o ioga, o Bhagavad Gita indiano e a Divina Faísca (capacidade de transmutar matéria).

Tudo isso ao lado de Biff que apesar de partilhar várias das lições ensinadas a Josué, só consegue, entre outras poucas coisas, se tornar um mestre na arte do Kama Sutra.

A última parte do livro compreende a volta de Josué e Biff a Galiléia, e é sem dúvida a parte mais triste do livro. Eles estão com 30 anos e após as muitas aventuras vividas nos anos anteriores Josué assume seu status e começa sua peregrinação em direção a cruz.

Aliás, esse é um ponto que tenho observado ao longo dos anos: toda boa comédia geralmente termina de forma triste. Algo a ser pensado melhor e discutido mais pra frente. Apesar de quê, todos já sabíamos como a história ia terminar, né?

No pósfacio, pra quem possa interessar, o autor detalha suas pesquisas e faz uma defesa de sua obra: “é uma história. Eu a inventei. Ela não foi planejada para mudar as crenças ou a visão de mundo de ninguém, a não ser que depois de ler você decida ser mais afável com seus camaradas humanos (o que é legal), ou então decida que realmente adoraria tentar ensinar ioga a um elefante, e nesse caso, por favor, filme”.

Um livro essencialmente engraçado que contém ação, aventura, romance, suspense e sexo, mas também consegue discutir muitos temas sérios, apesar de ser narrado pela figura que é o personagem principal. Um verdadeira saga sobre amizade.

Recomendado pra pessoas curiosas, inteligentes, bem-humoradas e não-fanáticas.

Valeu!

3 comentários:

Kherryna disse...

De fato o livro é ótimo!!!
Muitíssimo engraçado.
Mas não recomendado pra pessoas fanáticas e ignorantes que não saberiam diferenciar uma obra fictícia... bom de algo que que a maioria toma como verdade absoluta e real.
Vale destacar também a pesquisa que o autor fez sobre os costumes desse povo antigo.
Um livro muito bem escrito, leve e prazeroso de se ler.

Carlos disse...

Realmente vale a pena: um das obras mais bem boladas que já li. Muito sarcasmo, trechos e situações hilárias, mas tudo amarrado por uma contextualização histórica detalhada e muito interessante. Os personagens são bem construidos e apesar de humanizar e tomar algumas "licenças poéticas", é muito respeitoso pela figura de Cristo(e ficaria muito apelativo se fosse o contrário). Como foi dito quem tiver bom senso, bom esclarecimento e um visão mais madura da vida e da fé, poderá ampliar seu conhecimento e tirar boas lições do livro, além de se divertir muito. Mais do que indicado aos homens de boa vontade(e de bom humor também)

Carlos disse...

É uma comédia clara, despretensiosa, leve e debochada. Mas o zelo na contextualização da época e lugares, a forma sóbria, respeitosa e digna como retrata a personagem de Jesus e as questões éticas e humanas que estão nas entrelinhas pode sim ampliar o conceito e criar até uma simpatia para com o personagem Jesus em quem lê, sem lições de moral ou carolice. Recomendado àqueles leves de espírito, com bom senso e que não levam tudo ao pé da letra!

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