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sábado, 11 de julho de 2009

Dica de Quadrinhos: Flores Manchadas de Sangue

Essa vai pra quem acha que quadrinhos brasileiros é apenas Turma da Mônica.

Morto em novembro de 2008, Cláudio Seto foi um grande artista plástico e autor extremamente respeitado nos quadrinhos nacionais.

Nascido em 1944 em Guaiçara, São Paulo e tendo passado boa parte de sua infância e adolescência no Japão, foi um dos pioneiros em divulgar a cultura japonesa aos brasileiros.

Em meados dos anos 60, mais de 30 anos antes da febre do mangá (quadrinho japonês) estourar nas bancas do Brasil, Seto já produzia quadrinhos de samurais por aqui.

O álbum Flores Manchadas de Sangue da parceria de editoras Devir/Jacarandá, lançado agora em Março de 2009, foi a última obra em quadrinhos planejada com o aval de Seto.

São histórias trágicas e sangrentas passadas no período culturalmente mais rico da história do Japão, a era dos samurais, que vai do início do século XVI ao fim do século XIX.

Digo rico culturalmente, pois de um ponto de vista econômico e social foi um período bastante injusto e cruel, onde um homem que passasse de 30 anos era considerado velho e só estaria vivo se fosse rico ou muito habilidoso. A taxa de mortalidade era muito alta e a riqueza se concentrava nas mãos de muitos poucos. Quem viveu nesse período ou era rico ou miserável.

Pode-se comparar esse período, a grosso modo, com o desbravamento do Oeste americano (imortalizado nos filmes de cowboy) ou mesmo ao auge da época dos coronéis e cangaceiros aqui no nordeste brasileiro.

Bom, toda essa introdução foi feita com o intuito de situar os temas das histórias passadas num período trágico, porém romântico, do Japão. Temas que já há algum tempo me são muito queridos.

Cláudio Seto escolheu pessoalmente e escreveu textos introdutórios para todas as cinco histórias da edição. Todas elas produzidas por ele, com a ajuda de parentes e amigos, e que já tinham sido publicadas pela antiga editora Edrel entre os anos 60 e 70, na extinta revista O Samurai. Revista que, hoje em dia, pode ser considerada um marco MUNDIAL na publicação de gekigás (mangás adultos).

Nos textos introdutórios, Seto explica sua intenção com cada história dando uma breve aula sobre filosofia ao atribuir cada história a um dos elementos que governam a natureza, segundo o zen-budismo: Metal, Água, Madeira, Fogo e Terra.

De acordo com Seto, cada espada samurai é forjada seguindo um antigo ritual religioso que tem a intenção de fazê-la ganhar alma ao absorver um dos espíritos dos cinco elementos do zen.

Só essa aula de filosofia já valeria a compra do álbum, mas a edição ainda contém textos introdutórios de três profissionais do ramo: o jornalista e escritor Gonçalo Junior, o editor Antonio Mendes e o editor, quadrinista e ilustrador Franco de Rosa.

E também tem as histórias, é claro.

O Sósia e O Monge Maldito abrem a edição e foram inspiradas em fatos reais, sendo que O Sósia tem como base a mesma passagem histórica que inspirou Akira Kurosawa a fazer o filme Kagemusha- A sombra do samurai em 1980.

As duas histórias seguintes, A Flor Maldita e Idealismo Frustrado, são baseadas em lendas japonesas e experiências do próprio Seto.

Idealismo Frustrado, por exemplo, é colocada por ele como uma forma de expressar sua decepção com o exército revolucionário de Lamarca que, de forma frustrante para Seto, combatia a violência da ditadura militar brasileira apenas com mais violência.

A história que dá o nome e fecha o álbum, Flores Manchadas de Sangue, é a melhor de todas. Seu lirismo consegue se igualar as melhores histórias do japonês Kazuo Koike, autor de Samurai Executor (que já comentei aqui) e Lobo Solitário (o mais famoso gekigá do mundo).

Falando nisso, essa é uma polêmica que foi circulou um tempo atrás, diziam que Seto teria plagiado as idéias de Koike ao escrever suas próprias histórias de samurai. Essa polêmica está mais do que equivocada ao se observar que Cláudio Seto começou a publicar suas histórias por aqui pelo menos dois anos antes de Koike começar a ser publicado no Japão.

Mas não se pode negar as similaridades entre os estilos. Pra mim, isso se deve unicamente à formação dos autores, já que Seto viveu e estudou grande parte de sua adolescência no Japão, provavelmente na mesma época em que Kazuo Koike estudava.

O traço de Seto é um show à parte. Dono de um estilo realista advindo dos quadrinhos de terror, ele ainda consegue mesclá-lo ao estilo mangá dando algum destaque a olhos expressivos e rostos angulosos num carregado contraste entre branco e preto-nanquim. Segundo o próprio autor, foi nas histórias de samurai que ele chegou num “traço forte e quebradiço” próprio pra esse tipo de história.

Traço que não fica nada a dever ao traço de Goseki Kojima, o desenhista parceiro de Kazuo Koike nas histórias do Lobo Solitário e do Samurai Executor.

Uma passagem da última história mostra bem isso ao ilustrar um momento de batalha pela perspectiva psicológica de um dos personagens, que não se importa com o rosto de quem mata, enxergando apenas um contorno preto cheio farpas no lugar da cabeça do adversário. Muito legal.

Cláudio Seto foi um autor de quadrinhos brasileiro numa época em que não dava pra viver de só de quadrinhos. Como muitos autores da época, o Samurai de Curitiba (onde morou por 30 anos) fazia um pouquinho de cada coisa no meio artístico e jornalístico pra se sustentar, mas acabava sempre voltando aos quadrinhos.

Ele fez parte de uma geração que só pode ser definida como “quadrinistas de guerilha”, que passaram pela ditadura tendo que se sustentar e dar continuidade a arte obrigados a produzir revistas eróticas e de terror, pois estas não eram consideradas “perigosas” pela rígida censura brasileira da época.

Não chegou a ver essa ótima edição publicada, mas participou ativamente de sua produção e faleceu após um AVC, poucos meses depois de ser homenageado pelo troféu HQMix, que premiou os melhores quadrinhos publicados no Brasil no ano de 2008.

E essa belíssima edição tem grandes chances de ser indicada e vencer o mesmo prêmio agora em 2009.

Bom saber que, aos poucos, os grandes quadrinistas brasileiros vão tendo reconhecimento ao mesmo tempo em que são apresentados a um novo público.

Fica dada a dica pra você não deixar de conhecer esta obra e prestigiar a (boa) arte nacional.

Valeu!

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