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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Autor: Lourenço Mutarelli

Lourenço Mutarelli é um cara sujo.

Quando digo sujo não é referente à higiene, ou mesmo a seus relacionamentos (já que não o conheço), mas sim ao cenário escolhido para os personagens de suas expressões artísticas.

Minha intenção nesse post (que ficou um pouco grande) é divulgar o autor e sua obra, fazendo um pequeno apanhado de sua carreira e resenhar três obras suas, duas de grande repercussão e uma mais recente.

Mutarelli é desenhista. Dono de um estilo expressionista (distorcido), mas com um nível de detalhamento espetacular em seus quadros, fazendo contraponto com a quase caricatura em seus desenhos de personagens, que se destacam por serem feios.
Mutarelli é escritor. E sua prosa tenta imitar sua arte ao escrever sobre fracassados, decadentes, pessoas que chegam no fundo do poço e que são obrigadas a enfrentar situações maiores ou menores que elas para poder se superar (ou não).

Tendo cursado faculdade de Belas Artes e trabalhado como desenhista nas revistinhas da Turma da Mônica, Lourenço começou a fazer sucesso de crítica nos quadrinhos em 1991 ao publicar o álbum Transubstanciação, que desenhou e escreveu.

O ápice de sua carreira de quadrinista, porém, só se deu em 1999 a partir do álbum, O Dobro de Cinco (Devir editora), início da chamada “Trilogia do Acidente”, que em 4 álbuns (isso mesmo 4), conta as várias (des)aventuras do detetive particular Diomedes em busca do desaparecido mágico Enigmo. Os outros álbuns da trilogia são O Rei do Ponto e A Soma de Tudo parte 1A Soma de Tudo parte 2.


É a saga de um investigador nada convencional. Diomedes é baixo, gordo e tem mais de 50 anos. Cheio de problemas financeiros e no relacionamento com sua esposa, acaba vendo no caso do ilusionista desaparecido a solução de todos os seus problemas.

Mas nada é o que parece ser e, entre falsos herdeiros, artistas de circo decadentes, poetas malditos, policiais corruptos, prostitutas, assassinos seriais, venenos, viagens intercontinentais e quadrinistas convencidos, Diomedes se engana se as coisas sairão como ele gostaria. Afinal, segundo ele, o mágico é a única criatura na face da Terra que tem o direito de desaparecer.
O próprio autor já declarou que pretendia matar Diomedes no primeiro álbum, que tem o final em aberto, mas não fez isso devido ao sucesso do personagem e decidiu produzir continuações a sua trama.

Uma ótima história de detetives que quase toca o sobrenatural, cheia de frases de efeito, reviravoltas e citações a filosofia e a mitologia grega, tudo isso envolto em um grande mistério, em páginas permeadas de aparições de personagens famosos entre os figurantes é o que esperar dessa trilogia em 4 livros.

Recomendado!

Em 2002, já famoso no meio dos quadrinhos nacionais, Mutarelli surpreende ao lançar timidamente, junto com última parte da história de Diomedes, um romance literário chamado O Cheiro do Ralo, que acabou virando filme em 2006, com direção de Heitor Dhalia e um Selton Mello escrotamente perfeito no papel principal, além do próprio Lourenço fazendo uma participação como ator.

O Cheiro do Ralo (Devir editora, 2002) é a tragicômica história de um homem (que no cinema foi chamado de Lourenço, mas no livro não chega a ter nome) em direção ao fundo do poço.

Dono e único balconista de uma loja de compra de objetos usados, ele começa a sentir um insistente cheiro de merda vindo do banheiro de seu escritório.

Seu trabalho é passar os dias negociando e, às vezes, humilhando seus clientes e em troca dá dinheiro por objetos velhos. Ele se apaixona obsessivamente pela bunda de uma garçonete que mal lembra o nome e o rosto e termina com sua noiva, enquanto tenta de tudo para acabar com o cheiro de merda que sai do ralo do banheiro. Chega ao ponto de achar que o cheiro vem dele.
Narrada pelo próprio personagem a história tem passagens engraçadíssimas, as vezes de humor-negro, que dão charme a trama e amenizam o verdadeiro objetivo que é mostrar o processo de decadência de um personagem.

Mestre das descrições cotidianas e das frases curtas, Mutarelli conseguiu como ninguém imprimir realismo e dinâmica a história que é devorada por um bom leitor em poucas horas. Com uma prosa ácida, divertida, suja e sexy, este ainda é seu melhor romance.

Recomendado.

Escreveu mais quatro romances e algumas peças de teatro desde o sucesso feito pel´O Cheiro do Ralo. Em contrapartida lançou apenas mais um álbum em quadrinhos em 2005. Em 2006 declarou em várias entrevistas que não pretendia mais fazer quadrinhos, pois desenhava muito lentamente e viu na literatura uma chance de ganhar a vida sem precisar ter tanto trabalho.

Dizem que para ser um bom escritor basta escrever sobre o que conhece e Lourenço Mutarelli leva isso ao pé da letra. Suas histórias são, em sua grande maioria, urbanas e contemporâneas, quase sempre se passando na cidade onde ele mora, São Paulo. A prosa de Mutarelli tem o ponto forte de fazer você ler páginas e páginas de situações que podem parecer triviais, mas que estabelecem o tom e a credibilidade de seus personagens.

Seus personagens são pessoas decadentes, atormentadas por erros do passado, tocados pela loucura. Quase um retrato do próprio autor que admite tomar remédios controlados em prevenção a depressão a aos ataques de síndrome do pânico que teve quando mais jovem. Hoje ele é casado, tem um filho e diz viver no momento mais feliz de sua vida, mas admite ainda ter muita coisa estranha pra tirar de sua mente distorcida e colocar no papel.
Seu último romance, Miguel e os Demônios (Companhia das Letras, 2009), me deixou um pouco perturbado ao comprovar isso.


É a história de Miguel, um policial quarentão que, divorciado da esposa e sem a guarda do filho, volta a morar com o pai. Namora uma manicure com duas filhas pequenas e outros problemas do passado e, ao ir investigar a descoberta de uma múmia mexicana atrás de uma parede, fica fascinado por alguém que pode colocar em risco seu relacionamento com seu chefe, sua namorada e seu emprego.

Escrito propositalmente com a estrutura de um roteiro de cinema, Mutarelli dá mais espaço ao diálogo do que a narrativa e consegue repetir o estilo do seu romance de maior sucesso ao criar frases curtas e descritivas que dinamizam e agilizam a leitura. Mas diferente de O Cheiro do Ralo, esse livro não tem o humor como elemento de diluição da tensão e pode ser classificado sem medo na categoria dos dramas policiais contemporâneos. Ou dos dramas apocalípticos pós-modernos. Depende do ponto de vista.

Policiais truculentos, pedofilia, seitas satânicas, teorias da conspiração, travestis, múmias, auto-multilação e vingança pessoal permeiam esse romance quase apocalíptico.

Na minha opinião, não chega a ser melhor que O Cheiro do Ralo, mas com certeza supera seu romance anterior A Arte de Produzir Efeito Sem Causa (Companhia das Letras, 2008), em que o personagem principal também volta para a casa do pai depois de se afastar da esposa, mas num contexto completamente diferente, claro.


Mesmo um pouco repetitivo, Mutarelli, depois de nove álbuns de quadrinhos, cinco romances e quatro peças de teatro, ainda é um autor nacional contemporâneo de qualidade surpreendentemente alta.

Só pra atualizar, depois da ponta como segurança que fez no filme d´O Cheiro do Ralo, Mutarelli decidiu investir na formação de ator. Fez algumas pontas em curtas, atuou em peças de teatro e aceitou o convite para estrelar o segundo filme baseado em um livro seu, O Natimorto, que já foi exibido em vários festivais pelo país e teve pré-estréia em São Paulo.

E um filme baseado em O Dobro de Cinco também já tem sido divulgado pela rede, inclusive com foto e trailer, mas parece que falta grana para começar a produção.
É mesmo um pena que ele não faça mais quadrinhos. Mas que venham mais romances e filmes!

Recomendadérrimo!

Valeu!!

Links Interessantes sobre o autor:
=== Seu perfil e seus álbuns de quadrinhos pela editora Devir: http://www.devir.com.br/mutarelli/index.htm
+ Escreveu para o projeto Amores Expressos em 2007:  http://blogdolourencomutarelli.blogspot.com/
=== Seu blog atual, jogado às moscas desde setembro de 2009: http://lourencomutarelli.blogspot.com/

2 comentários:

André disse...

Me sinto totalmente desantenado ao ler esse artigo, já ia passar batido "O cheiro do Ralo", vou assistir assim que puder, e estou interessado também em outras obras de Mutarelli, espero também que saiam muitos frutos dessa cabeça perturbada. Um grande abraço.

Alexandre Pedro disse...

Excelente postagem.
O filme é ótimo, o livro espetacular.
Recomendo, caso não conheça, Clarah Averbuck; ela é uma escritora brasileira e segue a mesma linha do Mutarelli.
São dois escritores que admiro muito.
Abraço,
Valeu por dividir seus conhecimentos.
Alexandre Pedro

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