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domingo, 6 de maio de 2012

Quadrinhos: O Eternauta

Uma das coisas boas da globalização (entre tantas outras) é conhecer melhor a cultura de outros países.
       
É a essência da expressão “aldeia global”, criada há pouco mais de 40 anos, que explica como países distantes vão ficar cada vez mais próximos e se mesclar em busca de identidade.
  
Por conta disso é de se estranhar o porquê de só agora começar a chegar ao grande público brasileiro, vinda de um país próximo como Argentina, uma História em Quadrinhos da qualidade de O Eternauta (El Eternauta, 360 págs.), que demorou mais de 50 anos para aportar por aqui.
    
Editada pela Martins Fontes e prefaciada pelo professor, jornalista e quadrinista brasileiro Paulo Ramos, a HQ, roteirizada por Héctor Germán Oesterheld (1919-1977) e desenhada por Francisco Solano Lopez (1928-2011) apresenta um personagem que, junto com a esperta e ideológica Mafalda (das tiras do quadrinista Quino), é o mais famoso e iconográfico da Argentina.
    
É a história do viajante do tempo Juan Salvo, que aparece de surpresa na casa de um assustado roteirista de quadrinhos e conta como ficou “ilhado” em casa junto com sua esposa, filha e um grupo de amigos, numa corriqueira noite de jogo de truco, vítimas de uma estranha nevasca que mata ao menor contato com a pele.
                                            
Tem início então uma verdadeira odisseia de sobrevivência do grupo com direito a guerrilhas, fugas desesperadas, homens-robô zumbis, armas estranhas, gigantescos monstros de quatro patas e alienígenas que podem escravizar ou acabar com a Terra.
                         
A trama surgiu quando Héctor Oesterheld decidiu fundar sua própria revista semanal e levou consigo vários colaboradores, entre eles Lopez, que em 1957 recebeu a proposta de desenhar a HQ.
                               
Segundo Paulo Ramos, Solano diz a Oesterheld que gostaria de desenhar uma ficção científica realista e contemporânea com personagens de fácil identificação com o leitor.
Foi então que Hector surgiu com essa história que, segundo ele, começou baseada num de seus romances de aventura preferidos quando criança, Robinson Crusoé (do autor inglês Daniel Defoe), e depois acabou se tornando algo que ele mesmo não esperava.
 
Publicada durante dois anos num formato semanal, com tiras horizontais de 8 a 12 quadros por página, O Eternauta é uma perfeita ficção científica de vanguarda bebendo nas fontes de Edgar Rice Burroughs (Conan, A Princesa de Marte) e H.G.Wells (Homem Invísivel, A máquina do Tempo, Guerra dos mundos), prestando grande homenagem ao segundo por conta da invasão alienígena.
 
Os desenhos de Solano Lopez são realistas na medida certa, evocando um estilo de época e traduzindo com perfeição alguns pontos turísticos da cidade de Buenos Aires como o estádio do River Plate

Francisco Solano Lopez em 2010
Seu talento para desenhar fisionomias e expressões humanas é invejável, mesmo com tantos personagens que passam pela narrativa, são todos facilmente identificáveis.
  
Oesterheld consegue a façanha de criar personagens humanos de personalidades bem definidas, os jogando constantemente em situações dramáticas e emocionantes numa trama que se torna difícil de largar. 

Oesterheld
O formato semanal exige uma tensão constante com muitas reviravoltas, colocadas justamente pra prender o leitor, que poderiam se tornar cansativas, mas acabam te deixando mais interessado no destino dos personagens, o que é a tradução do imenso talento do escritor.
  
É uma pena que Oesterheld (que entre outros também escreveu uma biografia em quadrinhos de Che Guevara resenhada aqui), foi vítima da ditadura Argentina e tenha sido dado como desaparecido em 1977 por conta de suas idéias de esquerda.

Fato que também se repetiu com suas quatro filhas adultas e aproximadamente 30 mil pessoas enquanto os militares ficaram no poder.
 
Tudo que sobrou do autor foram suas obras nas HQs, sua esposa e um dos netos, para contarem sua história.

Lamentável, não só pela sua contribuição a arte latina e mundial, mas pelo fato de ali se encontrar um ser humano.
 
Talvez motivada pelo mistério em torno do desaparecimento do autor, a história fez tanto sucesso que hoje, depois de várias republicações, tornou o personagem um símbolo da resistência Argentina ante a qualquer tipo de crise, sendo inclusive lembrado recentemente em diversas pixações feitas nos muros de Buenos Aires durante a crise econômica e no governo Kischner.
 
A trama ainda apresentou continuações (muitas não-oficiais), mas pelo menos uma delas, feita pelos autores originais antes da morte de Oesterheld, poderia aparecer por aqui no encalço dessa obra.

Uma ficção científica inteiramente produzida no nosso país hermano, que estreita nossas fronteiras quadrinistícas e que, mesmo passada há 50 anos atrás, está pronta para entrar para a História por não dever nada aos grandes autores do gênero.
 
Recomendado.
 
Valeu!

sábado, 5 de maio de 2012

Filme: Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios

O problema de "cair no mundo" é que as feridas podem nunca cicatrizar satisfatoriamente.

É uma das conclusões tiradas ao assistir o filme Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios (2012).

Filme dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, baseado em um livro de Marçal Aquino, roteirizado pelos diretores com a ajuda do próprio autor.

Cauby (Gustavo Machado) é um fotógrafo que chega a uma cidade ribeirinha do Pará e acaba se envolvendo sexualmente com Lavínia (Camila Pitanga), mulher do pastor evangélico idealista Ernani (Zé Carlos Machado).

O problema é que esse simples envolvimento acaba se tornando algo mais forte e o relacionamento acaba atingindo a vida dos três personagens de forma implacável.

Todo artista tem sua musa.

Elas são consideradas a fonte de inspiração de toda obra de arte.

É desde os tempos antigos que se fala na figura delas. Enquanto na Grécia elas eram filhas de deuses, nos tempos atuais podem assumir a figura de qualquer coisa (ou pessoa) que inspire.

É isso que define, a princípio, o relacionamento de Cauby e Lavínia.

O jeito como ele exibe pra si mesmo as fotos dela em seu casebre, endeusando uma figura com um passado misterioso (o qual descobrimos depois de um tempo de filme), estabelece o tom de dependência-obsessão-amor entre a musa e o artista.

Com atuações elogiosas de Gustavo Machado, como o fotógrafo, e de Zé Carlos Machado, como o pastor, o destaque do filme vai mesmo para Camila Pitanga, cuja composição perfeita transita entre calma e loucura com ótima desenvoltura. Sempre expressiva, sempre confiável. 

É notável, por exemplo, seu trabalho corporal ao assumir em cena do clímax os mesmo trejeitos que tinha quando foi mostrado seu passado numa bela desconstrução da “salvação” obtida anteriormente.
  
Vale também uma menção honrosa ao ator cearense Gero Camilo.
Ótimo como o colunista de fofocas Viktor Laurence, um homossexual no limite da afetação que passa longe de um estereótipo caricatural.

Ponto positivo para o ótimo trabalho de ambientação do filme, cuja fotografia abusa de tons solares, claros e bem definidos como que se quisesse que a musa inspirasse o próprio espectador. Isso se deve, é claro, ao fato do filme destacar a perspectiva do próprio Cauby, que acompanhamos boa parte do filme.

Outro dos prós (que também pode ser um contra para algumas pessoas) são as várias cenas de sexo filmadas de forma naturalista, bem no limite da realidade, inclusive com a nudez total da própria atriz, num ótimo exemplo de entrega ao papel.
Os autores aproveitam o filme para fazer uma espécie de panfletagem pró-indígena abusando de cenas que mostram o dia-a-dia dessas comunidades nas cidades modernas (uma realidade paraense) com várias tomadas aéreas de madeireiras que devastam a região amazônica. 

É claro que isso é feito de forma sutil e orgânica, válida como um gancho para explicar o destino final de um dos personagens, mas bem discernível ao espectador, mesmo não ocupando muito tempo de tela.

Um filme sobre o amor e sobre a obsessão.

Sobre como eles nos destroem e nos constroem novamente em igual proporção. 

Tudo isso mostrado através das relações de Lavínia, incapaz de tomar uma decisão, já que depende de seus dois amantes por motivos totalmente opostos.

E como essa incapacidade de decidir pode acabar sendo atropelada pela urgência da vida.

Recomendado.

Valeu!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Livro: Operação Valquíria: O Complô Contra Hitler

Muitas histórias já foram contadas sobre a 2ª. Guerra Mundial (1938-1945), mas poucas mostram os oficiais alemães como pessoas que não concordavam com as atrocidades cometidas pelas forças de Hitler.

Poster do filme
Uma dessas histórias foi apresentada ao grande público alguns anos atrás com a estréia do filme Operação Valquíria (Valkyrie, 2008), dirigido por Brian Singer e estrelado pelo super-astro Tom Cruise no papel do coronel alemão Claus von Stauffenberg, figura central da conspiração que culminou no último atentado (de vários) contra Adolf Hitler planejados por figuras de alta patente de seu próprio exército.

O livro que aqui apresento, Operação Valquíria: O Complô contra Hitler – Memórias de um conspirador (Nous Voulions Tuer Hitler, 192 págs.), foi um dos vários lançados aqui no Brasil em 2009, na esteira do sucesso do filme.

Publicado pela editora Record e escrito com a ajuda do casal Florence e Jerome Fehrenbach, o livro narra as memórias de Philipp Freiherr von Boeselager, o último participante da conspiração a falecer em 2008.

Phillip em 2004
Philipp e de seu irmão mais velho Georg foram dois filhos do meio (de um total de nove) de uma família da aristocracia católica e rural alemã, que adoravam a emoção de cavalgar e de uma boa caçada.

Estudando desde cedo em colégios de jesuítas, os irmãos (muito próximos devido a pouca diferença de idade) tiveram uma educação fundamentada em valores clássicos de livre pensamento e temência a Deus, mas, crescendo à sombra da derrota alemã na 1ª Grande Guerra, escolhem o exército como carreira profissional motivados principalmente pelo espírito de camaradagem e defesa da pátria.

Desde cedo, porém observam a ascendência do partido nazista no governo de forma pouco simpática, principalmente pela sua austeridade após algumas intromissões na cidade onde moravam e também no jeito como os padres administravam sua escola.

Philipp narra vários episódios de sua carreira no exército (que começou pouco antes da 2ª Guerra ser declarada) gastando grande espaço do livro com as proezas de seu irmão Georg, que revela uma mente estratégica precoce ganhando promoções de patentes em pouquíssimo tempo de serviço militar.

Com riqueza de detalhes estratégicos, ele avança por batalhas em que participou pessoalmente na França e posteriormente no front russo, deixando claro que respeitava regras de combate e do tratamento humanitário a prisioneiros.
Phillip ao telefone em 1942.
Num episódio em particular, ele conta como, sendo um simples tenente, apontou a arma a um coronel alemão recém-chegado que queria massacrar um combalido batalhão francês logo após Phillip haver negociado pessoalmente um cessar-fogo. Tudo isso enquanto comandava apenas temporariamente aquele front.

A mudança de visão de Philipp em relação a guerra se dá de forma gradativa. Seu ódio ao Fuher só começa a despontar após testemunhar os maus-tratos que seus companheiros de batalha sofriam nos hospitais de guerra. Ele mesmo sofreu um ferimento grave no início de 1941 e teve que passar vários meses em recuperação num desses hospitais. Só conseguiu se curar completamente após ser transferido por causa de um pedido especial de seu irmão Georg, que havia ganhado uma medalha do próprio Hitler por seus feitos militares.

Seu tempo de cura permitiu reflexões constantes e sua posterior transferência para áreas de reserva e inteligência, longe do front de batalha, lhe fez encontrar gente com o mesmo tipo de pensamento que tinha contra os desmandos do atual regime.

Kluge no assento do carona e Phillip atrás, no meio, em 1942.
Sua convicção de matar Hitler se dá após um episódio em que conta como convenceu o marechal-de-campo Gunther von Kluge, do qual era assistente, a dar uma dura num dos líderes da SS (Polícia Militar criada pelo partido nazista), depois que descobriu que o “tratamento especial” colocado no relatório era o fuzilamento sumário, sem julgamento ou ordem direta, de judeus e ciganos capturados.

É interessante notar, de acordo com as memórias de Phillip, como os oficiais e soldados da Wehrmacht (a união do Exército, Marinha e Aeronáutica alemã), que estavam sempre na linha de frente das batalhas, tinham pouco conhecimento do que a SS e outras forças exclusivamente formadas por nazistas faziam em seu território natal.

Sempre haviam os boatos, mas muitos faziam vista grossa com medo de serem deserdados ou executados, apesar de outros ainda conseguirem se horrorizar e tomar uma atitude.

Ironia do destino, ou não, é que seu irmão Georg, após ser obrigado a abandonar seus companheiros de batalha no front e ser encarregado de instruir novos soldados, estivesse naquele momento tendo as mesmas conclusões que Philipp.

Entre conversas em salas de espera e desabafos fora de acampamentos em noites insones, os irmãos Boeselager são convidados a fazer parte do complô que queria assassinar Hitler e todo seu alto-escalão.

Kenneth Branagh interpretando Trescow.
É aí que aparece a figura do Major-General Henning von Trescow (que no filme é interpretado por Kenneth Branagh), um dos fundadores do movimento conspiratório e que levou a baila pessoalmente duas das quatro tentativas que o movimento fez para assassinar o Fuher.

O livro detalha o relacionamento de Phillip e Georg com Trescow e o envolvimento do próprio Phillip em algumas dessas tentativas.

A Operação Valquíria propriamente dita só é citada mais pro final do livro e o autor, que não teve contato direto com o Coronel Stauffenberg, a peça central do último atentado, narra como colaborou na elaboração de uma das bombas e como cumpriu sua missão, que era retirar discretamente 1200 cavaleiros do front de batalha para dar apoio as tropas que cercavam Berlim durante o golpe de estado mostrado no filme.

Phillip em 1945
Sem serem dedurados pelos conspiradores descobertos, os irmãos Boeselager disfarçam e retornam a um caótico e enfraquecido front sem despertar grandes suspeitas por parte de outros oficiais. Seu objetivo a partir de então era o de salvar tantos compatriotas quanto seria possível da morte já certa nas mãos dos aliados.

Georg não sobrevive a guerra e Phillip narra os detalhes de sua morte com extremo pesar. Um pesar só atenuado pelo fim da guerra e gratificante volta pra casa.

O casal que ajudou Phillip a escrever o livro, Florence e Jerome, também tiveram parentes envolvidos na guerra e fazem questão de frisar, no prefácio e posfácio, a ligação fortíssima entre os irmãos Boeselager e um episódio, não narrado por Phillip, sobre como ele ajudou a cumprir uma promessa de guerra feita ao avô de Florence.

Além disso, o livro conta com 8 páginas de fotos com a infância dos irmãos, seu período no exército e Phillip na atualidade, alguns anos antes de falecer.

Um belo registro histórico de uma época sangrenta e sofrida para e Europa e o mundo, que mostra que nem todos os alemães concordavam com a matança desenfreada, narrado de uma forma simples e direta, com uma perspectiva bastante íntima e inusitada do exército alemão.

Todos que se interessam por História (ou gostaram do filme) deveriam ler.

Recomendado!

Valeu!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Filme: O Espião que Sabia Demais

Pode haver mais segredos e conspirações entre os integrantes de uma agência de espionagem do que fora dela.

É o que se conclui ao final de O Espião Que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011) novo filme do diretor sueco Tomas Alfredson, cujo último trabalho, o drama vampírico Deixa Ela Entrar (do qual já falei aqui), lhe abriu as portas para as grandes produções hollywoodianas.

Inglaterra.
Início dos anos 1970.
Em plena guerra fria, o chefe da inteligência britânica, Controle (John Hurt), é obrigado e se demitir após uma operação mal-sucedida em Budapeste e leva com ele o agente veterano George Smiley (Gary Oldman), que é resgatado do ostracismo por um velho conhecido para investigar secretamente a suspeita de que um dos quatro integrantes do alto escalão do serviço de espionagem inglês estaria passando informações sobre operações britânicas para a então União Soviética.

John Le Carré
O roteiro, escrito por Bridget O´Connor e Peter Straughan, é uma adaptação de um livro do autor inglês John Le Carré e tem a missão de apresentar pra toda uma nova geração os complexos e realistas espiões do escritor.

Um autor best-seller que fez sucesso escrevendo tramas de espionagem nada superficiais, ao contrário de contemporâneos como Ian Fleming (criador de um tal James Bond), temperadas pelo seu conhecimento dos bastidores dos serviços de inteligência, a qual diz ter frequentado em sua época de diplomata no início dos anos 1960.

Não é um filme de ação, muito pelo contrário. A ação existe, mas de forma bastante pontual e inusitada em duas ou três cenas. A história meio que demistifica os agentes secretos de cinema e transforma-os em pessoas reais, inseguras, falhas e incapazes de lidar com a vida pessoal.

A trama do filme segue os passos de Smiley, que seguindo os passos de Controle tenta descobrir a identidade do traidor, entrevistando ex-colegas e agentes de campo, além de tentar descobrir o porquê do fracasso da missão que levou a sua própria demissão do serviço.

Smiley, personagem que aparece em outros romances de Carré, é mostrado como se fosse um inofensivo e leal seguidor de regras no início da película, mas vai crescendo em profundidade psicológica, inteligência e determinação assim que os bastidores da trama e de sua vida pessoal são revelados.

O filme se torna rico em cenas sem diálogo que mostram a complexidade de personagens em gestos, olhares e comportamentos, a princípio contidos para só então revelar a importância que eles detém. 

Por exemplo, a cena em que Smiley fita um quadro na parede em sua casa vazia só tem sua importância revelada no final, quando se explica de onde o quadro veio.

É nesse vai-e-vem de tempos narrativos que a trama se constrói tendo algumas cenas-chave (como a da missão em Budapeste e a da festa de fim de ano) revisitadas a todo momento de diferentes perspectivas que revelam mais sobre o verdadeiro motivo da demissão de Smiley, do fracasso do seu casamento e da identidade do traidor da agência.
A produção, finíssima, reconstrói o clima dos anos 60 e 70 com exatidão milimétrica, tanto no uso de roupas de época quanto de carros, fitas de rolo e até bloquinhos de anotação, importantíssimos numa era pré-computador pessoal.

A trilha sonora completa esse pacote com perfeição nos inserindo num clima de boas séries e filmes de espionagem da época. Fica até difícil acreditar que o filme foi feito em 2011.

É claro que a narrativa se torna atemporal, pois na essência trata de relações de confiança tanto na vida pessoal quanto no local de trabalho.

Mesmo sem ação, as reviravoltas e revelações da trama conduzem o espectador a um final inteligentemente orquestrado, mas que pode se tornar inesperado para quem não está acostumado a filmes do tipo.

O destaque de atuação vai mesmo para Gary Oldman que interpreta um Smiley metódico e extremamente profissional, mas que não se furta a emoção em gestos e olhares pontuais e cheios de significados. 

Sua olhar de curiosidade num semblante frio enquanto observa um colega chorando por ter sua traição descoberta, por exemplo, revela muito sobre a motivação do personagem.

Um ótimo filme de espião, que reproduz o clima de insegurança da guerra fria, trabalhando relações de confiança e traição de maneira orgânica com reviravoltas que não devem nada a James Bond e outros personagens do tipo.

Recomendado.

Valeu!

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Filme: As Aventuras de Tintin

Diz a lenda que em 1981, quando lia críticas do seu lançamento Os Caçadores da Arca Perdida (o primeiro filme de um tal Indiana Jones), o diretor Steven Spielberg viu sua película ser comparada a histórias de um jovem jornalista que teve origem em quadrinhos franco-belgas, o intrépido e viajado Tintin.

Hergé
Com 23 álbuns produzidos pelo belga Hergé (pseudônimo do quadrinista Georges Remi), o aventureiro personagem, criado em 1929, aquela altura já havia sido traduzido para 40 idiomas diferentes, além de ter estrelado dois filmes e uma animação para o cinema europeu. Apesar disso, Steven Spielberg e a maioria dos americanos, não o conheciam.

O diretor tratou de remediar isso e dois anos mais tarde, se dizendo apaixonado pelos quadrinhos, iniciou negociações com o próprio Hergé para levar o personagem ao cinema. 

O quadrinista, extremamente animado com a perspectiva de seu personagem finalmente fazer sucesso nos EUA, haveria lido o contrato de licenciamento enviado pela produtora e só não assinou por uma causa, ou melhor, uma cláusula que dizia que Spielberg poderia passar a responsabilidade pela direção do filme a outra pessoa se assim quisesse.

Hergé, as vésperas de completar 76 anos de idade, queria que Spielberg dirigisse o filme, mas faleceu meses mais tarde, antes do diretor rever o contrato. 

E foi só mais de 20 anos depois Spielberg retomou as negociações com a viúva do quadrinista para finalmente começar a produção de As Aventuras de Tintin, filme que mescla animação com a mais moderna tecnologia de motion capture (a mesma usada no filme Avatar), que estreou mundialmente em janeiro de 2012 e apresenta o personagem para toda uma nova geração. 

Tintin (voz e trejeitos de Jamie Bell) é um jornalista investigativo de renome que, ao comprar uma réplica miniatura de um navio do século XVII numa feira de rua, se vê envolvido numa caça ao tesouro de um antepassado do dramático e bonachão Capitão Haddock (voz e trejeitos de Andy Serkis), encabeçada pelo malvado Sakharine (voz e trejeitos de Daniel Craig). 

Com a ajuda do sempre fiel cãozinho Milu e dos atrapalhados detetives Dupond e Dupont (vozes e trejeitos de Nick Frost e Simon Pegg) eles viajarão até o Marrocos, passando por tempestades marítimas, naufrágios no deserto do Saara e perseguições alucinantes para descobrir o segredo do navio Licorne.

Spielberg mostra sua assinatura como um grande cineasta dirigindo seu filme mais divertido em muito tempo.


Jamie Bell e Spielberg
Sua habilidade de gerenciar fatores tão diversos quanto atuações em frente a tela verde (o jeito que o filme captou os gestos dos atores), inserções sonoras, renderizações 3D e, principalmente, engenhosos posicionamentos de câmera, se mostra resultado da mistura de uma grande experiência acumulada na sua estrelada carreira com as infinitas possibilidades que um filme em computação gráfica pode gerar.

Isso pode ser comprovado na emoção que o filme passa tanto nas sequências de perseguição (como a centrada no cãozinho Milu no início do filme e na envolvendo vários personagens na metade final), nas lutas no navio pirata (uma homenagem aos filmes de capa-e-espada que deixa Piratas do Caribe no chinelo) e na sequência final no cais do porto (com uma engenhosa luta de guindastes).

Ele também se mostra inspiradíssimos nos raccords por analogia (cenas de passagem em que um elemento de uma cena se transforma em outro na cena seguinte) utilizados no filme, como as dunas do deserto se transformando em mar revolto nas lembranças/delírios do Capitão Haddock, e também com a transformação das dunas na mão de um personagem em uma sequência posterior.
Sua utilização do ponto de fuga, situando objetos e movimentos importantes a narrativa exatamente na convergência de linhas de profundidade no desenho (técnica inventada por pintores no Renascimento e adotada por cineastas inteligentes) revela muito de sua postura sobre o filme, trabalhado a película como se fosse uma pintura.

O roteiro, escrito a seis mãos pelos ingleses Joe Cornish, Steven Moffat (da série de TV Dr. Who) e Edgar Wright (roteirista e diretor do filme Scott Pilgrim Contra o Mundo), adapta para a telona a trama de dois dos álbuns de Hergé: O segredo do Licorne e O Tesouro de Racham, o Terrível, além de mesclar passagens de um terceiro álbum, O Caranguejo das Pinças de Ouro.

A homenagem e respeito ao criador do personagem são claros em todo o filme.

Em especial na sequência de abertura, com uma animação de silhuetas que faz referências a vários álbuns da série e na cena inicial em que o próprio Hergé aparece como um caricaturista de rua pintando o rosto de Tintin igualzinho ao dos quadrinhos. Uma grande apresentação e transposição do personagem para o estilo quase realista do filme.

O filme se caracteriza também, em sua parte cômica, por prestar homenagens a um tipo de humor antigo, bem mais inocente e centrado em gags físicas típicas de fases áureas dos Trapalhões ou de filmes mais antigos ainda como os estrelados por Charlie Chaplin e Buster Keaton. É um tipo de humor raro de encontrar atualmente em produções pro cinema ou TV, mas que ainda encantam crianças e adultos com disposição de ir ao circo e se encantar com o tão subestimado personagem do palhaço.

Dupont e Dupond
Aliás, os próprios quadrinhos utilizam desse tipo de recurso inocente pra criar seus alívios cômicos, principalmente na figura dos detetives Dupond e Dupont.

Ponto positivo pra equipe do filme por não se preocupar em atualizar o personagem ou mesmo situar suas aventuras em determinada época, deixando suas interações anacrônicas, podendo se ligar a qualquer período.

Não dá pra deixar de esboçar um sorriso quando Tintin diz que sabe o melhor jeito de pesquisar a história do navio e vai direto a uma biblioteca e não digitar no Google.

Necessário dizer também que um dos grandes responsáveis pelo filme foi nada mais, nada menos que Peter Jackson, o diretor responsável pela trilogia Senhor dos Anéis, assumindo aqui a tarefa de produzir o filme ao lado de Spielberg e, eventualmente, ser o diretor de segunda unidade da equipe do filme.

Jackon já declarou inclusive que trocará de lugar com Spielberg na continuação (já confirmada) do filme.

Personagens extremamente cativantes, que já encantaram várias gerações em quadrinhos e TV, apresentados a uma nova geração de um jeito belíssimo e extremamente digno, sem perder em nada de sua essência original é o que esperar de As Aventuras de Tintin.

É Steven Spielberg se superando como não fazia há muito tempo.

Recomendadíssimo!

Valeu!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Filme: Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras

Definitivamente, não é Sherlock Holmes o personagem que Robert Downey Jr interpreta nesta nova adaptação cinematográfica do célebre personagem literário.

Novamente dirigido por Guy Ritchie, esse Sherlock Holmes- O Jogo de Sombras (A Game of Shadows, 2011) é uma ótima pedida para os fãs de ação e dá sequência aos acontecimentos mostrados no final do primeiro filme de 2009.

Watson (Jude Law) está prestes a se casar deixando Sherlock (Downey Jr) responsável por sua despedida de solteiro.

Acontece que o brilhante detetive, após semanas recluso, está com uma nova obsessão: ele acredita que o professor de matemática James Moriarty (Jared Harris) é o cabeça de uma organização responsável por vários crimes que tem ocorrido com frequência em toda a Europa e planeja iniciar uma guerra mundial entre as nações.
Mycroft (Stephen Fry)
Caberá a Sherlock desvendar mais esse mistério viajando pelas fronteiras europeias com a cigana Simza (Noomi Rampace), trazendo um contrariado Watson a tiracolo e sendo auxiliados ocasionalmente pelo irmão mais velho (e mais inteligente) de Sherlock, o observador Mycroft (Stephen Fry), funcionário do governo britânico.

Como fã e apreciador dos contos escritos por Arthur Conan Doyle, me atrevo novamente a dizer que esse não é o detetive dos livros. 

Simza (Noomi Rampace)
Enquanto no primeiro filme dava pra relevar uma coisa ou outra em função da ação divertida e das referências jogadas na trama, nesse segundo o personagem assume definitivamente o caráter de um herói de ação, como um típico agente secreto inglês do início do século XX.

Só pra dar um exemplo numa das cenas da metade inicial do filme, Sherlock luta sozinho com cinco ou seis capangas de Moriarty e, apesar de levar bastante porrada e demorar um pouco, vence todos no final da luta.


O personagem em si apresenta durante todo o filme um fôlego digno de um Ethan Hunt vitoriano, só pra citar o personagem vivido por Tom Cruise na série Missão: Impossível (da qual falei no post anterior). Inclusive com uma cena de ressurreição parecida com a que Hunt viveu em M:I 3.

É claro que a inteligência de Sherlock ainda está presente nesse filme, mas ela se deve muito mais a sua capacidade de prever os acontecimentos (sempre revelada a nós espectadores na hora H) do que a capacidade dedutiva propriamente dita e amplamente conhecida.

A câmera subjetiva, em que Holmes previa os movimentos de uma luta antes dela começar, está de volta nesse segundo filme, sendo utilizada bem mais vezes do que no primeiro, inclusive com uma inteligente e benvinda subversão dessas previsões no confronto final com Moriarty.
Moriarty (Jared Harris)

Um Moriarty que merece o destaque de atuação do filme, pois seu intérprete Jared Harris consegue passar com absoluta calma todo tom de ameaça contida que o personagem desvela.

Se a regra em toda a continuação é fazer um filme maior, o diretor Guy Ritchie seguiu a cartilha risca filmando em muito mais locações que o primeiro filme, aumentando consideravelmente as explosões e efeitos especiais e quase exagerando em sua assinatura estilística de diminuir e aumentar a velocidade de uma mesma cena.


A grande sequência nesse sentido, que com certeza entra em seu currículo como uma das melhores de sua carreira, é a fuga de Sherlock e companhia por entre as árvores enquanto os homens de Moriarty atiram e bombardeiam a floresta desenfreadamente. 

O nível de detalhes, com estilhaços de madeira voando para todos os lados, fumaça, fogo, tiros cortando os ares e personagens lutando para garantir a fuga é capaz de deixar o espectador sem fôlego e deve ter demorado meses para ficar pronta.


Destaque para a edição de som que acompanha com louvor as aceleradas e freadas do diretor e mais uma vez para a trilha sonora de Hans Zimmer que deixou a trilha já construída no filme anterior bem mais grandiosa com a entrada de Moriarty na trama.


A trama ainda contém bastante referências aos livros e um espectador mais atento vai perceber várias delas. 

A mais óbvia de todas é em relação ao conto O Problema Final em que Holmes narra a Watson a descoberta de uma mente criminosa tão inteligente quanto ele: o professor Moriarty, que chefiava o crime em quase toda a Europa.

No conto, Holmes abandona a Inglaterra para perseguir Moriarty e tem um encontro fatal (para os dois) nas cataratas de Reichenbach na Suíça. Fatalidade essa que não demoraria muito tempo para ser revertida pelo próprio Conan Doyle na literatura.

Enfim, mesmo se distanciando ainda mais do personagem literário, O Jogo de sombras é um bom filme de ação com cenas de tirar o fôlego do espectador, diálogos rápidos, boas atuações, ótimos efeitos e uma bela trilha sonora.

Recomendado.

Valeu!
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